quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Um pouco sobre a história do Povo Surdo...


HISTÓRIA DOS SURDOS ATRAVÉS DOS TEMPOS (parte 1)

“Identidade é história. Isto nos permite afirmar que não há personagens fora de uma história, assim como não há história (ao menos história humana) sem personagens”. (Ciampa)

Na época do povo Hebreu, na Lei Hebraica, aparece pela primeira vez, referências aos Surdos: “Não amaldiçoarás o surdo, nem porás tropeço diante do cego” . Apesar de o texto bíblico não estar interessado em narrar a história como fatos que ocorreram, pode-se perceber que os surdos de alguma forma faziam parte daquele grupo. Ao analisar o contexto onde este versículo está inserido, percebe-se que o escritor bíblico está tentando passar algumas leis que aquele povo precisava seguir. Quando ele diz para não amaldiçoar os surdos, pode se pressupor que existiam alguns surdos no meio deles, e que talvez estivessem sofrendo algum tipo de agressão. Seria interessante pensar que pelo fato do cego não ver e do surdo não poder ouvir, sofriam tais repressões sem poder se defenderem, e a partir dessa realidade o escritor vê a necessidade de estabelecer uma lei que proibisse a ação amaldiçoadora das pessoas. Este apontamento não pretende fechar a questão sobre essa citação bíblica, mas sim oferecer algumas possibilidades para se entender esse versículo , que é considerado o relato mais antigo sobre a pessoa surda.

OS SURDOS NA IDADE MÉDIA
Relatos históricos mostram que algumas civilizações, como é o caso da grega e da romana, não apenas excluíam o surdo do meio social, mas chegavam ao extremo de condená-los a morte. Não se sabe ao certo com que tipo de surdo isso acontecia, mas acredita-se que isso era condenação a todos os surdos em que a sociedade tomava conhecimento. Na Antigüidade os chineses lançavam-nos ao mar, os gauleses sacrificavam-nos aos deuses Teutates, em Esparta eram lançados do alto dos rochedos. Na Grécia, os Surdos eram encarados como seres incompetentes.
No ano 368 a.C temos um relato que parece valorizar, a forma de comunicação utilizada pelos surdos. Atribui-se ao pensador grego Sócrates, o grande filósofo, a seguinte frase: “Suponha que nós, os seres humanos, quando não falávamos e queríamos indicar objetos, uns para os outros, nós o fazíamos, como fazem os surdos mudos sinais com as mãos, cabeça, e demais membros do corpo”. Sócrates não escreveu uma linha sequer, tudo o que temos sobre esse filósofo foi escrito pelo seu discípulo Platão. Essa frase citada demonstra certo reconhecimento da língua de sinais utilizada pelos surdos, porém fica difícil saber qual o sentido verdadeiro desta citação. Ao mesmo
tempo em que essa frase parece valorizar a língua de sinais, deixa certa dúvida, pois parece que o
filósofo esta comparando a língua de sinais a uma linguagem gestual da infância, podendo-se perceber isso no início da frase. Mas fato é que também na época de Sócrates os surdos estavam
presentes na sociedade, pois um relato como esse não seria inventado sem nenhuma situação real de surdos sinalizando. Sócrates possivelmente deve ter presenciado alguns surdos se comunicando, e a partir daí fez a sua suposição.

Aristóteles (384-322 a.C), filósofo discípulo de Platão que influenciou muito o pensamento moderno, acreditava que era impossível se educar os surdos, pois dizia que era a linguagem que dava condição de humano ao indivíduo. Essa sentença tende a colocar esse sujeito à margem do meio social. Sendo a educação um dos pilares da cultura grega, os surdos neste ambiente estavam fadados à exclusão.
Os Romanos, influenciados pelo povo grego, tinham ideias semelhantes acerca dos Surdos, vendo-o como ser imperfeito, sem direito a pertencer à sociedade, de acordo com Lucrécio e Plínio: "Era comum lançarem as crianças surdas (especialmente as pobres) ao rio Tibre, para serem cuidados pelas Ninfas".
O imperador Justiniano, em 529 a.C., criou uma lei que impossibilitava os Surdos de celebrar contratos, elaborar testamentos e até de possuir propriedades ou reclamar heranças (com exceção dos Surdos que falavam).
Em Constantinopla, as regras para os Surdos eram basicamente as mesmas. No entanto, lá os Surdos realizavam algumas tarefas, tais como o serviço de corte, como pajens das mulheres, ou como bobos, de entretenimento do sultão. A igreja católica até a Idade Média acreditava que os surdos não tinham almas, por isso, não poderiam ser considerados imortais porque esses cidadãos não podiam falar em sacramentos. Santo Agostinho defendia a ideia de que os pais de filhos Surdos estavam a pagar por algum pecado que haviam cometido. Acreditava que os Surdos podiam comunicar por meio de gestos. O surdo foi parar na fogueira pelo fato de carregar consigo demônios amaldiçoadores, ou seja, esses sujeitos precisavam ser eliminados porque eram obras do demônio. Essa visão mística e opressora que as pessoas tinham sobre o surdo, destituía toda a razão de ser de uma pessoa surda, ou seja, eles não eram considerados como seres humanos, e sim como portadores de maldições. Oliver Sacks no seu célebre livro “Vendo Vozes”, nos aponta exatamente esse lado sombrio da história dos surdos: “A situação das pessoas com surdez pré-linguistica antes de 1750 era de fato uma calamidade”. Isto é, estavam condenadas ou ao isolamento, ou até mesmo à morte. A situação dos surdos era uma calamidade não só por causa do isolamento e das execuções, mas principalmente pela falta de respeito para com essas pessoas, visto que não eram aceitos como cidadãos portadores de direitos e deveres.

Até o fim da Idade Média, muitas atrocidades foram realizadas com os surdos, desde a maldição dos deuses até a condenação à fogueira. Comenta Zuleide Rodrigues em seu artigo sobre a realidade histórica dos surdos: “os surdos eram vistos como irracionais, não educáveis, pessoas castigadas pelas divindades, entre outros. Por causa disso eram forçados a fazerem trabalhos desprezíveis e condenados a viverem isolados”. É só aqui, no fim da Idade Média e inicio do Renascimento, que saímos da perspectiva religiosa para a perspectiva da razão, em que a deficiência passa a ser analisada sob a óptica médica e científica.
Consultas bibliográficas:
Ciampa,op.cit.1990,p.157
Levítico 19:14 Bíblia Sagrada NVI
Wikipédia, a enciclopédia livre
FELIPE, 2006, p. 127
SACKS, 1998, p. 27),
RODRIGUES, 2008)