segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Veio da França.......



Foi da França que saiu o professor surdo Eduard Huet, que veio para o Brasil, especificamente para o Rio de Janeiro, em 1855 com o objetivo de fundar a primeira escola de surdos no Brasil. Huet trouxe uma carta de recomendação de seu projeto elaborada pelo ministro de instrução pública da França, e essa carta, depois de passar nas mãos do ministro da França no Brasil Saint Georg, foi encaminhada ao Marquês de Abrantes que a levou às mãos de Dom Pedro II. “O imperador do Brasil demonstrou total apoio para que o projeto se consolidasse”.


O Instituto de Surdos tem como data oficial de fundação o dia 26 de setembro de 1857, no estado
do Rio de Janeiro. Seu primeiro nome foi Colégio Nacional para Surdos- Mudos (1856-1857), depois chamado sucessivamente de: Instituto Imperial para Surdos- Mudos (1857-1858), Instituto para Surdos-Mudos (1858-1874), Instituto dos Surdos- Mudos (1877-1890), Instituto Nacional de Surdos Mudos (INSM/1890-1957), e finalmente recebeu o nome que continua até os
dias atuais que é o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES/1957-2009).


Essa instituição que sempre esteve ligada ao império brasileiro não perdeu o vinculo quando o Brasil sofreu a transição de império para república, mantendo-se ligada ao governo federal até os
dias de hoje. Huet ficou na direção deste instituto até o final do ano de 1861, onde foi o primeiro e
único surdo a assumir esse posto. Visto que Huet era oriundo da escola francesa que adotava o método combinado, aplicou essa mesma metodologia aos surdos brasileiros. Solange Rocha nos mostra algumas questões que dificultaram, pelo menos nos primeiros anos, o desenvolvimento do instituto. Diz ela: “A novidade de um estabelecimento escolar para educandos surdos, numa organização social que sequer os reconhecia como cidadãos e com o agravante do responsável ser também uma pessoa surda, dificultou o aparecimento de alunos candidatos” .


A sociedade brasileira não via os surdos como cidadãos, e a fundação de uma instituição que atendesse a esse grupo de pessoas parecia que não fazia muito sentido para a população daquela época. O mais agravante é que o próprio diretor da escola era surdo, o que dificultou o desenvolvimento do trabalho, não por falta de capacidade de Huert, mas por falta de crédito por parte das pessoas. Mas apesar das grandes dificuldades que se enfrentaram no início do instituto, ele se manteve de pé e desenvolvendo com o passar dos tempos, e tudo graças à força de vontade que levou Huert e esposa a deixarem a França e darem uma oportunidade aos surdos brasileiros através do instituto dos surdos por eles implantado.


Não se tem relatos sobre a história dos surdos antes da fundação do INES e por esse motivo pode-se dizer que a implantação dessa instituição é um marco da história dos surdos brasileiros. Não se pode falar de história dos surdos brasileiros sem se falar sobre essa centenária instituição, que completou 150 anos em 2007.

Desde que Huet deixou a direção do instituto, muitos assumiram esse cargo, cerca de 28 diretores até 2009, e em cada gestão se utilizavam metodologias diferentes. Diversas são as crises que essa instituição já teve que enfrentar, visto que a maioria dos seus diretores não eram profissionais habilitados na área da educação de surdos. Várias foram as metodologias aplicadas, e quem mais sofria eram os surdos, e esse sofrimento era causado pela falta de preparo por parte dos líderes daquela instituição quanto a questão da surdez. É necessário que se deixe claro que a corrente metodológica que mais influenciou a prática pedagógica no INES foi a oralista, e isso prejudicou muito os surdos brasileiros de uma forma geral. É necessário que se entenda que a língua de sinais sempre esteve presente no instituto de surdos, pois essa sempre foi a forma dos surdos se comunicarem, mesmo que os diretores daquela instituição não aceitassem isso e tentassem reprimi-los quanto à utilização dessa língua. Eles a conheciam e compartilhavam entre si, porém, antes da década de 80, essa língua era utilizada apenas nos bastidores, pois ainda não fazia parte do projeto pedagógico da instituição. Apesar de no ano de 1901 ter culminado uma grande repressão quanto à utilização da língua de sinais, época em que a concepção oralista ganha força na instituição por influência do congresso de Milão de 1880 quando se decidiu que todas as escolas de surdos deveriam utilizar o método oral.


Os surdos continuaram se comunicando, meio que clandestinamente, através da língua de sinais. Sendo o INES uma instituição que atendia as pessoas surdas de todo o Brasil, os surdos que estudaram ali aprendiam uma língua de sinais, e quando voltavam para suas cidades, ensinavam os outros surdos. Por esse motivo que a língua de sinais e sua gênese, em certo sentido, esta muito atrelada á história do INES.


Dentre os diretores que o INES já teve, é importante destacar uma mulher que modificou toda a história deste instituto: foi a professora e fonoaudióloga Lenita de Oliveira Vianna. Ela Assumiu a
direção do instituto no ano de 1985, onde foi recebida com grande alegria pelos professores e funcionários, pois era a primeira diretora especializada na área de surdez. Várias foram as conquistas que Lenita alcançou na sua gestão, e uma das principais foi a criação da PAE (Pesquisa Alternativas Educacionais Aplicadas à Educação dos Deficientes da Audição). Foi a partir dessas pesquisas que a língua de sinais passou a fazer parte do projeto pedagógico do instituto.


Desde a aceitação da língua de sinais na metodologia pedagógica do INES, um novo caminho começou a ser trilhado na história dos surdos brasileiros, e principalmente dos surdos do estado do Rio de Janeiro, local onde se encontra a instituição. Passou-se a respeitar o individuo surdo a partir da sua cultura e modo de apreender o mundo, ou seja, através da visão.


Atualmente o Brasil está vivendo um estado de transição quanto ao reconhecimento das culturas e comunidades surdas. Muitas têm sido as vitórias que os surdos têm alcançado nestes últimos anos, porém, ainda existe muita coisa a ser feita e conquistada. Os ouvintes de uma forma geral precisam se libertar de todo preconceito que por vários séculos oprimiu e marginalizou os surdos, fazendo com que eles possam ser incluídos integralmente na sociedade. O mesmo vale para os surdos, que às vezes se fecham tanto que fica impossível existir essa inclusão, ou melhor, esse viver junto com os diferentes. As mudanças que as culturas e comunidades surdas têm sofrido nos últimos anos são resultados das ações realizadas pelas associações e federações dos surdos, que têm lutado pelos direitos desse grupo, como é o caso da Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS) . Fundada em 1987, essa federação tem sido a responsável por várias conquistas dos direitos dos surdos, como por exemplo, o reconhecimento da LIBRAS como língua oficial dos surdos brasileiros. E essa foi sem dúvida a maior conquista na historia dos surdos. "Língua Oficial da Pessoa Surda, com a publicação da Lei nº 10.436, de 24-4-2002 e a Lei nº 10.098, de 19-12-2002". A conquista deste direito traz impactos significativos na vida social e política da Nação brasileira.


Sabendo-se que quase todos os relatos sobre a história dos surdos foram escritos pelos ouvintes, muita coisa pode ter ficado em oculto, ou seja, é possível que os surdos tenham tido uma história muito mais dolorosa do que os livros contam. Owen Wrigley diz que “esta história dos surdos é uma decepção, simplesmente reinvocando e reescrevendo a dominação e a exclusão que têm mais frequentemente sido conhecidas como A crítica que Wrigley está fazendo a história dos surdos é muito pertinente, pois diz respeito ao cerne de todo o problema, isto é, a visão preconceituosa que os ouvintes, autores da história dos surdos, tinham e continuam tendo sobre os surdos. Apenas reescrever essa história não tem nenhuma relevância segundo Wrigley, pois nada é transformado. O que se deve fazer é pensar na história sofrida dos surdos e buscar escrever uma nova história junto com os surdos, um processo em que os próprios possam interferir. O que já sucedeu não pode ser transformado, mas as coisas que estão para acontecer podem ser modificadas, isto é, não se pode transformar o passado, mas se pode construir um presente melhor e acredito que o desenvolvimento da história dos surdos está nos levando à isso.

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